Critério Social
A questão social, originada no século XIX devido às precárias condições de trabalho nas fábricas, evoluiu para abranger uma variedade de temas como desemprego, educação, saúde, transporte, moradia, saneamento básico, segurança, lazer, cultura, segurança alimentar, assim como discussões sobre desigualdade de classe, gênero, raça/etnia entre outros temas que afetem o bem-estar geral de dada população. Desse modo, a questão social transcende o simples ambiente de trabalho e seus componentes como salário, legislação, segurança e demais condições laborais – para incluir preocupações sobre bem-estar geral e justiça social. A complexidade dessa questão exige uma análise abrangente dos seus efeitos, tanto do ponto de vista positivo como negativo, especialmente em situações como descomissionamento de sistemas submarinos.
O descomissionamento de sistemas submarinos, um processo crucial para encerrar operações em campos de petróleo, envolve as mais variáveis dimensões entre os quais destacam-se os ambientais, técnicos, econômicas e sociais. Os impactos sociais das ações empresariais são mensurados a partir dos indicadores sociais, que podem ser quantitativos ou qualitativos, relacionados a um conjunto de valores específicos, bem como contextuais. Esta análise detalhada permite às operadoras de petróleo prever e abordar de modo responsável e sustentável as ações para encerrar as operações de exploração offshore de petróleo (United Nations Environment Programme-Society of Environmental Toxicology and Chemistry (UNEP-SETAC (2009); Franks (2011)).
Objetivo e Escopo
A criação de uma metodologia capaz de avaliar os impactos sociais pelas alternativas tecnológicas de descomissionamento, deve incorporar abordagens participativas para garantir a inclusão da sociedade e das comunidades afetadas. Essa avaliação é crucial para o gerenciamento de conflitos, principalmente na indústria extrativista, conforme indicado por Prenzel & Vanclay (2013); BSR (2011) e Esteves et. al, (2012), oferecendo benefícios como a construção de um legado positivo, abertura de diálogo com atores sociais internos e externos, prevenção e redução de riscos sociais e ambientais e dos conflitos entre a comunidade e a empresa, redução de interrupções nos projetos e identificação antecipada de problemas para melhorar o planejamento de custos. Desse modo, é fundamental considerar o envolvimento dos stakeholders, desde etapas iniciais, reconhecendo a dinâmica das comunidades, além de atender às expectativas das partes interessadas e incluir as comunidades nos processos decisórios, conforme Esteves et al. (2012), Burdge e Vanclay (2012), Silva (2017) argumentam.
Nesse contexto, ao escolher os indicadores sociais para representar os impactos do descomissionamento, é crucial determinar sua materialidade, isto é, o contexto “a partir do qual os aspectos tornam- se suficientemente expressivos para serem relatados.”, conforme definido pela Global Reporting Initiative (GRI)(2015).
Dada a natureza única do descomissionamento de sistemas submarinos ao longo da costa brasileira, é imperativo adotar uma perspectiva multidimensional ao invés de unidimensional. Isso implica em uma análise que não se restrinja apenas a questão econômica e/ou ambiental, mas que também leve em conta cenários sociais influenciados pelas atividades de descomissionamento.
Com base nos tópicos e temas mencionados nos artigos e relatórios analisados, observa-se uma variedade de áreas de interesse e preocupações relacionadas ao impacto de várias atividades nas comunidades, infraestrutura e ecossistemas. Questões como concessões fiscais, oportunidades de emprego, estímulo econômico, impactos culturais, acesso público e sentimento público são abordadas por diversos autores e organizações Rodrigues et. al (2024)
Além disso, a valorização de recursos naturais, como valores ecossistêmicos, pesca de valor comercial e recreacional, valores de mergulho, patrimônio indígena e não indígena, atividades de defesa, pesca tradicional e de subsistência, atividades recreacionais e de turismo, também são temas recorrentes nos estudos apresentados.
As empresas e organizações listadas demonstram preocupação com o impacto de suas atividades, como efeitos na pesca comercial, emprego, comunidades, infraestrutura, impactos socioeconômicos, acesso ao transporte, desenvolvimento regional, entre outros aspectos.
Esses dados fornecem insights importantes para entender as complexas interações entre atividades humanas e o ambiente, destacando a importância de avaliações abrangentes de impacto e da implementação de práticas sustentáveis para garantir a preservação dos recursos naturais e o bem-estar das comunidades afetadas.
Como resultado sugere-se que a análise do contexto social seja vista de forma mais estratégica, tendo como linha básica a concepção de que o engajamento tem outro significado além da identificação e comunicação unilateral com as partes interessadas. Algumas premissas conceituais foram assumidas:
1. A fronteira do sistema, para este projeto é definida como o fim do ciclo de vida de sistemas submarinos, especificamente as instalações submarinos usadas na exploração e produção de petróleo no Brasil, considerando os impactos gerados offshore e onshore. No caso deste último, a fronteira do sistema diz respeito às alternativas que irão gerar materiais e equipamentos, norm e bioincrustação passíveis de destinação final adequada.
2. Em relação a empregabilidade na dimensão onshore, os empregos analisados estão relacionados as atividades administrativas e operacionais do porto, assim como os motoristas responsáveis pela logísitcas dos materiais descomissionados até a destinação final. Neste sentido, não estão contemplados os empregos gerados na cadeia de reciclagem dos materiais
3. Quantos aos Pescadores, considerou-se a pesca artesanal como um dos principais fatores ambientais e socioeconômicos para definir os limites da área de estudo, tendo em conta o estado crescente de vulnerabilidade das comunidades de pescadores, as condições precárias de vida e os riscos específicos enfrentados.
4. Quanto ao Turismo, particularmente o turismo dependente da navegação, há maior possibilidade de interferências devido ao tráfego intenso de embarcações na Bacia de Campos. Apesar da falta de Informações precisas sobre navegação relacionadas ao turismo, o modelo considera o transporte de turistas para ilhas e praias, bem como o turismo de lazer náutico ao definir os impactos.
Aplicação da Metodologia
O modelo adotado para a avaliação tem como característica a tomada de decisão em uma situação interna, da operadora, onde, neste caso, o decisor e o gestor da cadeia de valor são o mesmo ator.
O processo é iniciado pela definição do local onde haverá o descomissionamento a ser realizado. Neste momento a equipe técnica realiza a análise referente às alternativas tecnológicas que podem ser utilizadas no descomissionamento, assim como o levantamento de tempos e movimentos para cada alternativa considerada.
Na fase 1, é realizada a consulta do levantamento dos dados referentes aos subcritérios sociais onshore e offshore. Na fase 2 são levantados os dados dos indicadores de sensibilidade e de pressão social para cada uma das alternativas para que sejam lançadas no modelo de avaliação de impacto social, neste caso, a fase 3.
Por fim, após o lançamento dos dados os resultados são apresentados e agregados para cada um dos subcritérios, dando suporte ao modelo de decisão multicritério.
Subcritérios Adotados
Para o escopo do modelo, nas dimensões onshore e offshore do descomissionamento, são considerados sete subcritérios (três onshore e quatro offshore), sete indicadores de sensibilidade social (três onshore e quatro offshore), e vinte indicadores de pressão social (dez onshore e quatorze offshore)
Para o estabelecimento dos indicadores da dimensão offshore foi necessário analisar informações de documentos técnicos de operadoras referentes às áreas descomissionamento (PDI, EIA e RIMA), foram identificados indicadores para cada um dos subcritérios elencados na etapa anterior. Além dos documentos citados, também foram realizadas consultas com a equipe econômica, técnica e de segurança e risco.
Os indicadores onshore estão relacionados com as operações de deslocamento logístico de materiais e equipamentos bem como NORM e bioincrustação a serem descomissionado e à limitação de empregos gerados e/ou mantidos nessas atividades. Os mesmos são resultados de análises realizadas junto a equipe técnica e de segurança e risco.
Considerações
A literatura analisada revela que o descomissionamento de sistemas submarinos geram potenciais impactos sociais nas atividades de pesca, nas comunidades locais, nos empregos, e nas atividades referentes ao turismo.
Intervenções em territórios devem incluir os diferentes atores sociais, pois o a concepção de território utilizada nos dias de hoje não só transcende espaços geográficos como também, muitas vezes, fronteiras entre países. O território representa a interação de atores que possam explicitar relações sociais, produtivas ou não produtivas, que contribuam para a definição de uma dada identidade Siedenberg (2006). Por sua vez, essa identidade é projetada por meio da conexão, em rede, de atores com objetivos comuns. Portanto, é crucial identificar os impactos sociais não apenas por meio de modelos matemáticos, mas também envolvendo os stakeholders durante, antes e após o descomissionamento.
Durante o processo, promover fóruns com atores locais afetados é fundamental. Em resumo, as operadoras de petróleo e gás e/ou agentes econômicos envolvidos no descomissionamento devem, identificar e convidar enfaticamente os diferentes stakeholders (agentes econômicos, poder público e demais instituições da sociedade civil organizada) do território/contexto impactado, independentemente da alternativa de descomissionamento a ser escolhida.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Burdge, R.J.; Vanclay, F. Social Impact Assessment: A Contribution to the State of the Art Series. Impact Assess. 2012, 14, 59–86
Esteves, A.M.; Franks, D.; Vanclay, F. Social impact assessment: The state of the art. Impact Assess. Proj. Apprais. 2012, 30, 34–42.
Franks, D. Management of the social impacts of mining. In Mining Engineering Handbook; SME: Ramsey, NJ, USA, 2011.
Global Reporting Initiative. (GRI). Vision, Mission, and Beliefs. 2015. Available online: https://www.globalreporting.org/information/about-gri/Pages/default.aspx (accessed on 1 December 2023).
Hackenbruch, M.; Pluess, J.D. Commercial Value from Sustainable Local Benefits in the Extractive Industries: Local Content; Briefing Notes; Business for Social Responsibility (BSR): New York, NY, USA, 2011.Prenzel, P.V.; Vanclay, F. How social impact assessment can contribute to conflict management. Environ. Impact Assess. Rev. 2013, 45, 30–37.
Rodrigues, Leonardo Mangia et al. Assessment Model for the Social Impact of Decommissioning Subsea Oil and Gas Systems. Sustainability, v. 16, n. 6, p. 2421, 2024.
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Siedenberg, Dieter Rguard. (2006). Dicionário do desenvolvimento regional. Universidade De Santa Cruz Do Sul. Unisc.
Silva, Bárbara Santana. (2017). Subjetividade na avaliação de riscos sociais: análise em projetos de engenharia de uma empresa brasileira de energia. (Dissertação). Universidade Federal Fluminense, Brasil. Retrieved from http://bdtd.ibict.br/vufind/Record/UFF-2_d04230bd56ccea701cbb8675d55c3fc6 Social impact assessment: the state of the art. (2012). Journal Impact Assessment and Project Appraisal, 30(1), 34– 42. https://doi.org/10.1080/14615517.2012.660356
United Nations Environment Programme-Society of Environmental Toxicology and Chemistry (UNEP-SETAC). (2009). Guidelines for Social Life Cycle Assessment of products. Paris: United Nations Environment Programme.